quarta-feira, 13 de abril de 2016

Especificidades da Didática do Português – Princípios e Metodologias


Aluno: Pedro Manuel Ramos Moreira
Número de aluno: 1501253
Unidade Curricular: Seminário de Prática Pedagógica[11058]
Curso: Curso de Profissionalização em Serviço [1117]
Data: 13 de abril de 2016

Introdução

A disciplina de língua materna tem um papel fulcral no sistema educativo. Assumindo os nomes de Língua Portuguesa ou de Português, consoante o nível de escolaridade, tem a particularidade de ser, de entre todas as disciplinas, a única presente em todos os anos de escolaridade, independentemente de se tratar de ensino regular ou profissional, o que é sintomático da sua importância. No já revogado Currículo Nacional do Ensino Básico (Departamento da Educação Básica [DEB], 2001, p. 31) dizia-se que esta disciplina “desempenha um papel fundamental no desenvolvimento das competências gerais de transversalidade disciplinar” (DEB, 2001, p. 31) por ser a língua de escolarização e a língua materna da grande maioria da população escolar, “um veículo decisivo na construção dos saberes das outras áreas disciplinares” (Buescu, Morais, Rocha e Magalhães, 2015, p. 19) pelo que “o domínio da língua portuguesa é decisivo no desenvolvimento individual, no acesso ao conhecimento, no relacionamento social, no sucesso escolar e profissional e no exercício pleno da cidadania.” (DEB, 2001, p. 31)

A didática da língua materna – especificidade

De acordo com Reis e Adragão (1989), a didática da língua materna ocupa um lugar muito específico no ensino, em particular na relação que se estabelece entre o professor e os alunos, uma vez que o que é ensinado não é desconhecido dos alunos, também falantes nativos da mesma língua, que a dominam em diferentes graus de proficiência, mas que a dominam. O professor apenas transmite algo desconhecido dos alunos quando fala da gramática, da história da língua, da literatura, das técnicas de análise de texto, sendo que no restante trabalho realizado em aula há uma intersecção entre o que professor e alunos conhecem. Assim, o desenvolvimento da competência linguística, sociolinguística e pragmática, concorrem para o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, que poderá ser o essencial e o mais importante na aula de língua materna. No entanto, os alunos estão permanentemente expostos ao uso da língua portuguesa, usando-a eles próprios, em todos os contextos do seu dia-a-dia, pelo que o ensino de uma ferramenta tão conhecida de todos é necessariamente diferente do ensino de qualquer outra disciplina. Partindo de alguns exemplos do dia-a-dia, o vídeo seguinte aborda o estudo da gramática.



A didática da língua materna – princípios metodológicos

Reis e Adragão (1989,p. 15) defendem que “o aprendente é mais importante que a matéria que se ensina.” O aluno deve ser o centro do processo de ensino e aprendizagem. Cada aluno tem as suas próprias competências e necessidades específicas de aprendizagem, individuais, diferentes mesmo das do resto da sua turma. Cada aluno tem o seu progresso e a sua forma de se apropriar de cada item, pelo que o professor deve adaptar e individualizar a sua prática a cada um dos alunos, tendo em conta as suas especificidades, graus de proficiência no domínio da língua, interesses pessoais, perspetivas para o futuro, como no pequeno exemplo que se segue, do filme Mentes Perigosas, de 1995.



De acordo com Reis e Adragão (1989), o professor de língua materna deve propor aos alunos os comportamentos verbais adequados a cada situação, não se limitando à perspetiva linguística, abarcando também as componentes pragmática e social do uso da língua, em particular da fala. Mais do que isso, o professor da língua materna deve dar prioridade ao ensino da língua padrão, mas sem nunca se esquecer dos diversos registos e níveis da língua. Deve respeitar as produções dos alunos mas também prepará-los para o uso do registo adequado a cada situação e interlocutor, novamente numa perspetiva de uso pragmático da língua, em que a competência comunicativa é a mais importante, ou seja, a competência linguística e a gramaticalidade de todos os enunciados são fatores desejáveis, mas não os únicos necessários para uma boa comunicação.
Na mesma linha de pensamento, o ensino da língua materna deve dar igual importância à vertente informativa, à interpessoal e à textual, ou seja, os conteúdos da comunicação, os intervenientes e a forma da comunicação, que devem ser encarados como sendo, todos eles, como “fundamentais na estruturação de qualquer execução linguística.” (Reis & Adragão, 1989, p. 16)

Objetivos do ensino do português

Reis e Adragão (1989) referem no seu texto algumas finalidades do ensino da língua materna. No entanto, por uma questão de atualização, uma vez que esse texto é de 1989, vão-se abordar os objetivos do ensino do português presentes em Buescu et al. (2015, pp. 5-6), no Programa e metas curriculares de português do ensino básico. São vinte e um objetivos, que se anexam na íntegra:
1. Adquirir e desenvolver estratégias de escuta ativa com vista a reter informação essencial, a desenvolver a compreensão, e a produzir enunciados orais em contextos específicos.
2. Compreender as diferentes intencionalidades comunicativas nas situações de oralidade e saber utilizálas criticamente, não só no quotidiano como na produção de discursos em contextos formais, designadamente discursos de apresentação e discursos de argumentação.
3. Produzir textos orais em português padrão, segundo categorias e géneros específicos, complexificando progressivamente as suas diferentes dimensões e caracterizações.
4. Usar fluentemente a língua, mobilizando diversos recursos verbais e nãoverbais, e utilizando de forma oportuna recursos tecnológicos.
5. Adquirir, interiorizar e automatizar os processos que permitem a decodificação do texto escrito, com vista a uma leitura individual fluente.
6. Desenvolver e consolidar a capacidade de leitura de textos escritos, de diferentes géneros e com diferentes temas e intencionalidades comunicativas.
7. Compreender a associação entre o código oral e o código escrito, apropriandose das características deste último, de modo a redigir com correção linguística.
8. Desenvolver a capacidade de adequar formas de escrita a diferentes situações de comunicação e em contextos específicos, fazendo uso reflexivo das diversas modalidades da língua.
9. Produzir textos com objetivos críticos, pessoais e criativos.
10. Produzir textos escritos de diferentes categorias e géneros, conhecendo e mobilizando as diferentes etapas da produção textual: planificação, textualização e revisão.
11. Dominar os procedimentos que asseguram um adequado desenvolvimento textual, temático e discursivo, com progressiva consolidação do domínio dos géneros escolares, nomeadamente a exposição e a argumentação.
12. Consolidar os domínios da leitura e da escrita do português como principal veículo da construção crítica do conhecimento.
13. Monitorizar, de formas variadas e regulares, a compreensão e a produção de textos orais e escritos.
14. Interpretar textos orais e escritos, de expressão literária e não literária, de modalidades gradualmente mais complexas.
15. Interpretar textos literários de diferentes géneros e graus de complexidade, com vista à construção de um conhecimento sobre a literatura e a cultura portuguesas, valorizandoas enquanto património de uma comunidade.
16. Apreciar criticamente a dimensão estética dos textos literários, portugueses e estrangeiros, e o modo como manifestam experiências e valores.
17. Reconhecer a inscrição da matriz cultural na aprendizagem do Português.
18. Construir um progressivo domínio do funcionamento da língua, na oralidade e na escrita, através da capacidade de reflexão sobre as suas regularidades, de modo a ganhar autonomia no uso dos códigos da mesma.
19. Mobilizar os conhecimentos gramaticais para aperfeiçoar as capacidades de interpretar e produzir enunciados orais e escritos.
20. Adquirir um conhecimento reflexivo sobre a língua e explicitar e sistematizar aspetos fundamentais da estrutura do português padrão.
21. Compreender o português padrão e fazer uso adequado dele nas diversas situações de oralidade, de leitura e de escrita.
Alguns destes objetivos são semelhantes às finalidades elencadas por Reis e Adragão (1989, pp. 16-17), que no seu texto destacam, por exemplo: a promoção da constante procura pela melhoria da competência comunicativa; o desenvolvimento da capacidade de raciocínio, memória e espirito crítico; a promoção da identificação do aluno com manifestações culturais nacionais e universais; promover a autoconfiança, autonomia e realização pessoal. Qualquer uma destas finalidades se centra no progresso individual do aprendente, pelo que o mesmo se pode dizer em relação à relação pedagógica. Para além destas, Reis e Adragão (1989, pp. 16-17) ainda mencionam: “Facultar processos de aprender a aprender e condições que despertem o gosto pela atualização permanente de conhecimentos”, que se pode rever na interdisciplinaridade e na aprendizagem ao longo da vida; “Proporcionar a compreensão de ser a língua portuguesa um património nacional e fator de ligação entre povos distintos”, tomando-se a língua como património e como elo de ligação entre os seus falantes, dentro e fora de Portugal; “Favorecer a interiorização dos princípios universalizantes de justiça, tolerância, solidariedade e cooperação”, sendo esta a perspetiva ética da disciplina, apesar de não ser a única em condições para o fazer; e “Assegurar o desenvolvimento gradual das capacidades de expressão e compreensão em língua materna” é a primeira finalidade apontada, talvez a mais importante para o autor do texto, mas não a única, segundo Reis e Adragão (1989). Caberia assim ao professor articular todas estas finalidades e responder às necessidades individuais dos alunos da melhor forma possível, o que se pode dizer também em relação aos objetivos atualmente em vigor, muitos deles correspondentes a estas ideias, apesar de haver, como já foi mencionado, a condicionante acrescida de se terem que atingir as Metas Curriculares previstas.

Os conteúdos programáticos

Segundo Reis e Adragão (1989), o ensino da língua materna pressupõe que se veja o objeto de estudo como um contínuo que atravessa toda a vida dos aprendentes, antes mesmo de entrarem para a escola e que continuará mesmo depois de a terminarem. Não é viável compartimentar o ensino da língua em determinados segmentos de aprendizagem, de conjuntos de conteúdos e competências a adquirir ano a ano. Na linha do que vem sendo dito até aqui, cabe ao professor adaptar o programa que tem em mãos à realidade e necessidades de cada grupo de alunos e, dentro destes, de cada aluno, individualmente.
No entanto, os conteúdos programáticos abordados por estes autores encontram-se já desfasados dos atuais, uma vez que o texto tem vinte e sete anos, pelo que se abordarão em seguida os conteúdos do programa atualmente em vigor. No caso concreto do segundo ciclo, Buescu et al., (2015), no Programa e metas curriculares de português do ensino básico apontam quatro domínios de referência: Oralidade, Leitura, Escrita, Educação Literária, Gramática. Os documentos orientadores para o professor de língua materna serão assim este programa e respetivas metas curriculares, que deverão ser usados em conjunto, de acordo com as diretrizes do próprio documento: “A interdependência entre Programa e Metas Curriculares manifestase no facto de a operacionalização dos conteúdos ser definida nos descritores de desempenho constantes das Metas Curriculares” (Buescu et al., 2015, p. 3) e os conteúdos do programa remetem para as Metas Curriculares, onde “estão elencados objetivos e descritores de desempenho avaliáveis, permitindo que os professores se concentrem no que é essencial e ajudando a delinear as melhores estratégias de ensino” (Buescu et al., 2015, p.3). Ou seja, cabe ainda ao professor de língua materna gerir da melhor forma possível o programa que tem em mãos, tal como Adragão e Reis (1989) sugerem, mas tendo em conta as metas a atingir, pois é-lhes exigido que cumpram as metas curriculares e que avaliem o desempenho dos alunos em cada ponto do programa: “os descritores de desempenho dos diferentes objetivos foram selecionados e elaborados no sentido de permitirem que cada um deles seja objeto de ensino explícito e formal” (Buescu et al., 2015, p.3).
Passando concretamente à caracterização dos conteúdos de Língua Portuguesa do segundo ciclo presentes em Buescu et al., (2015, pp. 19-20), tal como já foi dito anteriormente, estes encontram-se separados em quatro domínios: Oralidade, Leitura e Escrita, Educação Literária e Gramática. Quanto à Oralidade, “pretendese que os desempenhos dos alunos revelem o respeito, já constituído como rotina, pelos princípios de cortesia e de cooperação no plano da interação verbal”, para além de ganharem maior dimensão e formalidade; para a Leitura e Escrita, associadas como um só domínio, “considerase a pertinência de uma prática que confirme a automatização das habilidades de identificação das palavras escritas e do seu uso com correção ortográfica, e da produção escrita de respostas e pequenos textos”, que deverão ser, progressivamente, mais ricos e complexos; a Educação Literária, cuja existência como domínio autónomo, desligado da Leitura, é uma novidade neste novo programa, existe para que “os alunos possam ir construindo e consolidando a sua capacidade leitora, nomeadamente em torno dos géneros e textos eleitos, como fábulas, lendas, contos.” Existe alguma liberdade para a escolha da obra a estudar dentro da lista fornecida, para além de se complementar este domínio com a leitura autónoma, para a qual se poderão selecionar obras dentro das listadas no Plano Nacional de Leitura. Por último, no domínio de Gramática, há lugar para o estudo relativo a fonologia, relações semânticas entre palavras, morfologia e sintaxe, Realça-se “incidese de uma forma significativa no estudo da morfologia, não apenas no que aos constituintes da palavra e processos morfológicos de formação de palavras diz respeito, mas, sobretudo, nos paradigmas flexionais, cuja cabal compreensão contribui para um uso seguro e adequado da língua”, pois pretende-se que os alunos “apliquem esse conhecimento fazendo um bom uso do português nas diversas situações de oralidade, de leitura e de escrita, de forma contextualizada e crítica.”
Contrariamente a programas anteriores, agora revogados, em que havia sugestões de gestão do tempo quanto aos domínios, não há neste programa qualquer referência a esta gestão. No entanto, e tal como Reis e Adragão (1989, p. 21) referem relativamente à gestão do tempo, “só sabendo que equilíbrio se pretende ano a ano e confrontando os resultados do trabalho com as intenções iniciais se conseguirá uma eficiente auto-avaliação e um progresso na prática letiva”, ou seja, defende-se que cada professor faça a gestão do tempo em função das necessidades particulares dos alunos.

Conclusão

Não será difícil concordar que a disciplina de língua materna, por todas as particularidades elencadas, possui um papel fulcral dentro de qualquer sistema educativo. No caso português, a disciplina de Língua Portuguesa reveste-se de especial importância por ser a língua de escolarização, por ser a língua que transmite o legado cultural de um povo, por ser a língua que une diversos povos em diversos continentes e, muito simplesmente, por ser a língua que os alunos usam no seu dia-a-dia.
Assim sendo, o papel do professor de Português é também diferente do papel dos professores das outras disciplinas, por não lhes transmitir conhecimentos sobre algo que desconhecem, mas por os levar a aprender algo mais sobre a sua própria língua. E nesta afirmação reside, um pouco disfarçada, a questão primordial apontada por Reis e Adragão (1989): o principal objetivo do professor de português é levar os alunos a aprender, de acordo com as suas características, “a finalidade é ensino, o produto é o sucesso do aluno (no mais amplo dos sentidos)” (Reis & Adragão, 1989, p. 21). A capacidade de reflexão do professor sobre a sua própria prática letiva, a adequação dessa prática às necessidades dos seus alunos, a avaliação que faz das suas próprias necessidades de formação contínua, serão o que fará a diferença entre levar os alunos ao sucesso ou ao insucesso. Para além disso, competências como a da leitura, exemplificada na seguinte cena do filme O Substituto, de 2011, ajudam a desenvolver o espírito crítico e autonomia, competências transversais a todo o currículo e mesmo à formação dos alunos como cidadãos.



Para terminar, convém sublinhar que a liberdade do professor será sempre limitada: Reis e Adragão (1989, p. 18) referem que é “tarefa primordial do professor a atenção constante ao programa proposto pelo Ministério da Educação”, ao que se poderia acrescentar que, no presente, o professor deve não só prestar atenção ao programa como levar os alunos a cumprir as Metas Curriculares. No entanto, se a liberdade do professor é limitada, este não deixa de ter uma certa liberdade. É no parcimonioso uso da mesma que reside a sua função, é assim que poderá chegar aos alunos, às suas necessidades, às suas aspirações, ao seu sucesso.
Para concluir esta reflexão, parece pertinente referir o vídeo seguinte, no qual se faz a apresentação do estudo "Literatura e ensino do Português", seguido de um debate sobre a questão da importância do texto literário no ensino da língua materna.





Bibliografia


Buescu, H. C., Morais, J., Rocha, M. R., & Magalhães, V. F.  (2015) Programa e metas curriculares de português do ensino básico. Lisboa: Ministério da Educação e Ciência.
Ministério da Educação, Departamento da Educação Básica - DEB - (2001). Currículo Nacional do Ensino Básico – competências essenciais. Lisboa: Ministério da Educação.
Reis, C., & Adragão, J. (1989). Didáctica do Português. Lisboa: Universidade Aberta.


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